Era um vez... os anos 80.


Hoje vou falar sobre Água Viva, um dos sucessos da tv paga. A trama escrita por Gilberto Braga e Manoel Carlos vem atingindo grande repercussão, seja em redes sociais, seja em termos de audiência, como já citei aqui. Porém, para quem acompanha a trama pela primeira vez, sente um tal estranhamento, principalmente se tiver menos de vinte anos. O ritmo da novela destoa totalmente das novelas atuais, que são mais agitadas, mais ágeis, cheias de acontecimentos. O dito "novelão" era mais ou menos assim: mocinhos e vilões, casal principal separado durante toda o percurso da novela e se reencontrando no final. E eles conseguiam ficar no ar por oito meses seguidos, sem saturar o público. Como? Não sei! Talvez os telespectadores tenham sido os maiores mutantes ao longo desse tempo, e não as novelas em si. O primeiro capítulo de Amor à Vida foi um dos grandes momentos folhetinescos da atualidade, com uma mocinha temperamental e rica, mas que não tem os bens da família como primeiro plano em sua vida. Se apaixona loucamente, engravida, e tem sua filha roubada pelo próprio irmão. Mas como a novela degringolou, a gente só pode ter como referência o primeiro capítulo mesmo.
Mas muito além de um mero "novelão", Água Viva foi um projeto audacioso nos idos de 80. Um mocinha além de seu tempo, que não escondia seu interesse e sua vocação para alpinista social. Uma protagonista antagônica! Se hoje em dia isso se tornou clichê, antes as coisas não funcionavam assim. Tanto que, doze anos depois, na novela O Dono do Mundo, também de Gilberto Braga, Malu Mader pagou pesado pelos erros de sua personagem, que traiu o marido em plena lua de mel. Observação: Ela era a mocinha da história! Não foi bem aceita e diferente da Lígia (Betty Faria), de Água Viva, ela acabou virando alvo de críticas. 
O que se torna engraçado é que o mesmo Gilberto que criou histórias com cenas de diálogos longos, com assuntos pouco conhecidos do público, fazendo da novela uma própria sala de aula, foi o mesmo Gilberto que deu mais ritmo à uma trama. Poucos se recordam, mas em Paraíso Tropical começou o aumento das agilidades da trama, quando uma típica história de gêmeas ganha um fôlego maior do que se esperava. Anos atrás, Ivani Ribeiro já tinha dado mais gás à esse tipo de trama, com o remake de Mulheres de Areia; Gilberto só fez firmar o gênero.
Ainda a respeito de Água Viva, a novela conseguiu surpreender a todos quando venceu a batalha, já que competiu com novelas mais atuais, dos anos 90. Ela é a novela mais antiga que o canal pago transmitiu, fazendo com que se crie um choque de realidade para nós, telespectadores de 2013. Afinal, são trinta e três anos de diferença, onde muita coisa mudou, muita coisa aconteceu e estamos de certa forma, por uma hora do nosso dia, vivendo o passado.
Em suma, talvez o tamanho sucesso se dê por conta da novela ser considerada inédita para grande parte do público que nem se quer era nascido em 1980. Ao mesmo tempo, uso tal situação para rebater críticas sobre a teledramaturgia, onde percebemos que muito mais do que ditar moda, a trama conseguia transmitir um cotidiano do país numa época relevante. E mesmo assim tudo parece distante de nossos olhos, tudo parece causar certo estranhamento, e hora ou outra nos vemos diante de esquisitices que antes pareciam normais, mas hoje são esdrúxulas. E daqui 30 anos? Quando no depararmos com reprises de Amor à Vida (Deus, me absolva dessa punição), o que acharemos da moda, dos cabelos, do dia-a-dia, da trama em si?! É aguardar pra ver... e pra publicar um "Era uma vez... 2014".